Crise, papel do Estado e sua influência sobre a saúde

Autores

  • Rodrigo Mendes Leal de Souza BNDES
  • Joao Boaventura Branco de Matos IMS/UERJ

DOI:

https://doi.org/10.14295/jmphc.v11iSup.951

Resumo

Considerando a trajetória da mudança de paradigmas políticos, busca-se identificar reflexos da atual crise internacional sobre o modo de organização do Estado brasileiro e os indícios desse processo de transformação na administração pública e no Setor de Saúde no país. Um pressuposto é que o modelo de organização do Estado-provedor, desenvolvido pós-crise de 1929 e sancionado pelo advento das instituições multilaterais no pós II Guerra, se encontra em processo de franca substituição por outro tipo de organização estatal a ser construída. Na esfera da produção, o modelo de organização econômica, baseado na organização industrial/fordista tem dado lugar a um novo paradigma de formas de produção, tecnologias e modo de organização administrativa. Objetivo: Crises sistêmicas provocam ameaças e oportunidades para os Estados nacionais e para as organizações econômicas. Uma dessas crises se manifesta nos dias atuais, onde convivem um paradigma político senil e um paradigma econômico emergente. Esta realidade tem gerado impactos nas diversas formas de organização do Estado brasileiro e em particular no setor da Saúde. O objetivo deste trabalho é mapear aspectos relevantes para uma efetiva capacidade de articulação e coordenação de interesses das esferas pública e privada no campo da saúde no atual contexto de transição de paradigma. Dados e métodos: Utiliza-se uma metodologia analítica qualitativa do processo transformador dos paradigmas políticos. A análise chega aos dias atuais diante da emergência de uma nova configuração de Estado, baseada na intermediação das relações de poder entre os atores sociais aplicadas ao campo da Saúde. Seja no âmbito público ou privado, o ponto fundamental que aqui se coloca é a capacidade do Estado brasileiro em ultrapassar as tensões existentes entre as áreas da Saúde e a Economia. Uma constatação fundamental é que a manifestação do Estado-provedor no Brasil não proveu, no campo da saúde, as condições suficientes de universalidade, garantindo o acesso e serviços a todas as pessoas, e tampouco consolidou a efetivação dos princípios constitucionais de integralidade e igualdade no acesso à saúde e equidade na forma de participação no custeio da seguridade social. Mesmo após a vinculação dos recursos destinados à Saúde pela EC29, nos anos 2000, não houve uma mudança qualitativa da oferta do setor público. Especialmente após a Emenda Constitucional 95/2016, que congelou os gastos públicos por 20 anos, os gastos privados aumentaram a sua fatia para 58% dos gastos ante a parcela de 42% dos gastos públicos. É um desafio coordenar interesses ora divergentes, ora complementares no sentido de estabelecer uma política de desenvolvimento de fato para os anos vindouros. Deste modo, o desenvolvimento do Estado-coordenador no Brasil encontrará o duplo desafio de resgatar as políticas sociais lhes dando um caráter de direito. Nessa esfera, está uma agenda de interesses comuns entre os atores da saúde pública e privada. São necessários atores estratégicos de fato comprometidos com implantação de uma política de saúde que recupere os princípios norteadores do SUS. Também é de fundamental importância que os setores organizados da sociedade, os profissionais de saúde, as entidades prestadoras e a cadeia produtiva da saúde em geral passem a olhar os investimentos e a regulação do sistema público como uma oportunidade que vá ao encontro de seus interesses. Neste sentido, vale lembrar que as políticas de garantia de renda mínima ora em vigência se consolidaram à medida em que ficaram evidentes os seus efeitos sobre a geração de emprego e renda; desvinculando-se de uma questão restrita aos aspectos de compaixão ou de resgate da dívida social. A consolidação do Estado-coordenador no Brasil no campo da Saúde terá o desafio de consolidar uma política que proteja os objetivos do SUS, num contexto de integração de políticas da relação público-privada num ambiente pautado por severas restrições orçamentárias. Resultados: Com a trajetória de intensificação do desenvolvimento tecnológico e das práticas de participação social e accountability, a configuração do Estado-coordenador no Brasil se coloca na perspectiva, ainda que a médio prazo, de uma melhoria na qualidade do arcabouço regulatório da saúde, em particular da Saúde Suplementar. Esse quadro geral, em associação à uma hipotética recuperação do financiamento da Saúde Pública, poderá se configurar, ainda que a médio prazo, no prenúncio de um círculo virtuoso na Saúde e no desenvolvimento do país. Entretanto, face a um cenário de estagnação do financiamento público para a saúde, há que se aprofundar as sérias consequências para a saúde da coletividade e, em particular, para a garantia dos princípios do SUS. Conclusões: A Saúde se encontra inserida em um conjunto de políticas sociais que deverão merecer especial atenção neste processo de emergência do Estado-coordenador no Brasil. Há hoje um significativo entendimento de que as políticas sociais se configuram num pólo dinâmico de geração de emprego e renda no país. A Saúde também tem um efeito multiplicador importante sobre a atividade econômica e isso exigirá esforços regulatórios adicionais. Na linha do encadeamento da Saúde com outros setores está a introdução e a incorporação de novas tecnologias. O estabelecimento de um sistema nacional de inovações deverá reunir instituições de pesquisa e parcerias público-privadas com vistas ao desenvolvimento de inovações tecnológicas no campo da Saúde. Outro fator impactante na regulação, especialmente a assistencial, são as transformações demográficas pelas quais o Brasil passará nas próximas décadas. Todo esse processo também reforça a ideia de aprimoramento do aparato regulatório. Finalmente, as transformações avassaladoras pelas quais passam os Estados nacionais e suas instâncias institucionais são o cenário sobre o qual se desdobram as atuais mudanças no campo da Saúde, seja ela pública ou privada.  As políticas de saúde serão tanto mais efetivas e aderentes ao interesse público, quanto maior for o seu nível de sintonia com esse processo transformador e com as estratégias de desenvolvimento do Brasil.

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Publicado

12-12-2019

Como Citar

1.
Leal de Souza RM, Matos JBB de. Crise, papel do Estado e sua influência sobre a saúde. J Manag Prim Health Care [Internet]. 12º de dezembro de 2019 [citado 14º de outubro de 2024];11. Disponível em: https://www.jmphc.com.br/jmphc/article/view/951