Avaliação da alocação de recursos financeiros em políticas de saúde digital em países com sistemas universais de saúde
resultados preliminares de uma revisão narrativa
DOI:
https://doi.org/10.14295/jmphc.v17.1489Palavras-chave:
Saúde Digital, Alocação de Recursos para a Atenção à Saúde, Equidade em Saúde, Análise DocumentalResumo
Nas últimas duas décadas, a Saúde Digital tem sido reconhecida como um componente estratégico para a melhoria dos sistemas de saúde, sendo promovida pela Organização Mundial da Saúde – OMS como instrumento para ampliação do acesso, qualificação do cuidado e fortalecimento dos mecanismos de vigilância. Contudo, o avanço da digitalização ocorre em um contexto de mercantilização e financeirização da saúde, no qual soluções digitais são frequentemente desenvolvidas sob a lógica neoliberal de mercado. Esse cenário levanta preocupações quanto à ampliação de desigualdades e dependências tecnológicas, sobretudo em países da periferia do capitalismo, através de processos que vêm sendo descritos como colonialismo digital. Ao mesmo tempo, observa-se uma reformulação do papel do Estado na prestação de serviços públicos, que passa a incorporar modelos de gestão e operação baseados em plataformas digitais. Tais fenômenos têm implicações diretas sobre os critérios de alocação de recursos em políticas públicas, especialmente em sistemas universais de saúde, cuja lógica redistributiva deveria estar orientada pela equidade e justiça social. O presente estudo teve como objetivo analisar criticamente os critérios utilizados por países com sistemas universais de saúde na alocação de recursos financeiros em políticas voltadas à Saúde Digital. Adotou-se o método de revisão narrativa de literatura, com complementação por Análise Documental, de estratégias e programas nacionais em Saúde Digital disponíveis em fontes governamentais oficiais. A seleção dos países considerou aqueles com sistemas universais de saúde – Brasil, Austrália, Canadá, Espanha e Reino Unido – por seu compromisso constitucional com a garantia do direito à saúde e por enfrentarem desafios comuns relacionados à sustentabilidade financeira, incorporação de tecnologias e racionalidades neoliberais. A Análise Documental foi orientada por quatro eixos temáticos: (i) contexto e caracterização geral dos documentos; (ii) princípios e objetivos estratégicos; (iii) modelos de financiamento; e (iv) estrutura federativa. A coleta envolveu a identificação e busca sistematizada em portais institucionais dos órgãos responsáveis por políticas em Saúde Digital nos diferentes países, mapeando documentos como o Programa SUS Digital (Brasil), a National Digital Health Strategy (Austrália), a iniciativa Connected Care (Canadá), a Estrategia de Salud Digital del SNS (Espanha) e o plano Digitise, Connect, Transform (Reino Unido). Foram identificadas diferenças significativas entre os formatos e conteúdos dos documentos. Brasil, Austrália e Espanha apresentaram estratégias consolidadas em documentos únicos, enquanto Canadá e Reino Unido adotaram formatos mais fragmentados, dificultando o monitoramento e a análise consolidada das ações. Observou-se também forte influência dos contextos político-institucionais de cada país na formulação das estratégias, com maior centralidade da equidade no Brasil e na Espanha, em contraste com racionalidades tecnicistas nos demais países. Quanto aos objetivos e princípios, todos os documentos reconhecem o potencial da Saúde Digital para qualificar o cuidado, mas divergem quanto à ênfase em equidade e inclusão. Apenas Brasil, Canadá e Austrália fazem referência a populações minorizadas, e em geral de forma limitada, com lacunas na proposição de ações concretas. Já os princípios de interoperabilidade, eficiência e inovação são centrais nas estratégias de todos os países, apontando uma priorização de elementos técnicos em detrimento de abordagens mais integradas aos determinantes sociais e territoriais. Em relação aos modelos de financiamento, o Brasil se destaca por apresentar um mecanismo estruturado de indução federativa por meio do Programa SUS Digital, que condiciona repasses à adesão voluntária de estados e municípios, mediante diagnóstico de maturidade digital realizado por meio do Índice Nacional de Maturidade em Saúde Digital. Esse instrumento orienta a elaboração de planos de ação locais e fortalece a transparência na distribuição dos recursos. A Espanha define estimativas orçamentárias globais, mas sem detalhamento dos critérios de repasse. Austrália e Canadá adotam modelos cooperativos, com financiamento compartilhado entre níveis de governo. No caso canadense, os Contribution Agreements estabelecem contratos específicos entre a agência nacional e os entes subnacionais, permitindo certa adaptação territorial. Já o Reino Unido opera com forte centralização, com metas e padrões definidos nacionalmente. De forma geral, observa-se baixa transparência sobre os critérios de alocação e limitada discussão sobre mecanismos redistributivos voltados à correção de assimetrias infraestruturais. A análise sobre a estrutura federativa revela diferentes arranjos de descentralização. Brasil e Espanha atribuem protagonismo a estados, municípios e comunidades autônomas. Canadá e Austrália adotam estruturas cooperativas com significativa autonomia regional. O Reino Unido, embora concentrado na Inglaterra, mantém alguma margem de atuação local. Em todos os casos, a descentralização apresenta desafios à coerência e ao alinhamento estratégico das políticas, exigindo mecanismos de indução mais robustos e integrados. A análise crítica dos documentos evidencia, portanto, que as estratégias em Saúde Digital ainda operam majoritariamente sob uma racionalidade tecnocrática, com baixa integração entre os princípios declarados de equidade e os mecanismos efetivos de financiamento e governança. São raras as referências explícitas aos determinantes digitais da saúde, como acesso à internet, infraestrutura tecnológica e letramento digital, fatores intimamente relacionados ao uso efetivo das soluções. Da mesma forma, os riscos associados ao colonialismo digital – como a dependência tecnológica, a concentração de dados em plataformas estrangeiras e a subordinação a soluções globais descontextualizadas – são ausentes ou negligenciados. Igualmente, o fenômeno da plataformização do Estado, com a incorporação de modelos operacionais digitais baseados em parcerias com grandes corporações, não é problematizado nas estratégias analisadas, o que fragiliza a soberania digital dos sistemas públicos de saúde. A experiência brasileira, com a criação recente da Secretaria de Informação e Saúde Digital e o lançamento do Programa SUS Digital, apresenta avanços no sentido de organizar a estratégia nacional com base em princípios de indução federativa e uso planejado de dados para formulação de adaptações locais. No entanto, mesmo esse modelo carece de uma abordagem mais estruturada dos determinantes digitais e de garantias sobre o controle público das plataformas utilizadas. Conclui-se que a alocação de recursos deve estar orientada à redução de desigualdades e sensível às diversidades territoriais e culturais, sob risco de que a mera digitalização de processos aprofunde assimetrias e exclua ainda mais as populações historicamente minorizadas. Sendo assim, para que a Saúde Digital possa cumprir seu potencial transformador nos sistemas universais, é imprescindível incorporar uma agenda de justiça digital que articule financiamento redistributivo, governança democrática e soberania tecnológica.
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