O desabastecimento de medicamentos e as iniquidades em saúde

uma revisão integrativa da literatura

Autores

DOI:

https://doi.org/10.14295/jmphc.v17.1459

Palavras-chave:

Disparidades nos Níveis de Saúde, Acessibilidade aos Serviços de Saúde, Assistência Farmacêutica, Sistema Único de Saúde, Acesso a Medicamentos Essenciais e Tecnologias em Saúde

Resumo

No Brasil, o acesso regular a medicamentos é parte fundamental da garantia do direito à saúde, conforme previsto na Constituição de 1988. Contudo, o cenário de desabastecimento de medicamentos essenciais no Sistema Único de Saúde – SUS tem se mostrado recorrente, refletindo fragilidades estruturais que ultrapassam questões técnicas. Trata-se de um fenômeno complexo, que agrava desigualdades históricas e reforça iniquidades na saúde. A escassez desses insumos afeta de maneira mais severa os grupos em situação de vulnerabilidade e compromete a continuidade de tratamentos, ameaçando os princípios de equidade e integralidade do sistema público de saúde. Problemas como a concentração de fornecedores, a baixa capacidade produtiva interna e a distribuição desigual de recursos entre as regiões contribuem para a persistência dessas lacunas. Esta revisão integrativa tem como objetivo principal investigar, na produção científica recente, os principais fatores associados ao desabastecimento de medicamentos no SUS e seus reflexos sobre o acesso à saúde, com ênfase nas iniquidades geradas ou agravadas por esse contexto. O estudo seguiu os procedimentos metodológicos de uma revisão integrativa, contemplando as seguintes etapas: formulação da pergunta de pesquisa, definição da estratégia de busca, aplicação dos critérios de elegibilidade, análise crítica dos estudos selecionados e síntese dos resultados. A pergunta norteadora foi: “O que a literatura científica revela sobre o desabastecimento de medicamentos e sua relação com as iniquidades em saúde?”. A busca bibliográfica foi conduzida nas bases Biblioteca Virtual em Saúde – BVS e PubMed, utilizando combinações de descritores como “medicamentos essenciais”, “escassez de recursos para a saúde”, “desigualdades em saúde” e “iniquidades em saúde”, conforme a padronização dos vocabulários Descritores em Ciências da Saúde – DeCS e Medical Subject Headings – MeSH. Não foi aplicado filtro temporal, e a última busca ocorreu em 26 de fevereiro de 2025. Na BVS, foi adotado o seguinte modelo de sintaxe de busca ampliada, a fim de garantir maior abrangência e sensibilidade aos temas investigados: (("Escassez de Recursos para a Saúde") OR ("Escassez de Recursos de Saúde") OR ("Adesão à Medicação") OR ("Aderência ao Medicamento") OR ("Aderência ao Tratamento Medicamentoso") OR ("Adesão ao Tratamento Farmacológico") OR ("Submissão ao Medicamento") OR ("Falta de Aderência à Medicação") OR ("Não Adesão ao Medicamento") OR ("Política Nacional de Medicamentos") OR ("Distribuição Gratuita de Medicamentos") OR ("Medicamentos Essenciais") OR ("Fármacos Essenciais") OR ("Relação Nacional de Medicamentos Essenciais") OR ("RENAME") OR ("Controle de Medicamentos") OR ("Controle Sanitário de Medicamentos") OR ("Política Farmacêutica") OR ("Sistema Nacional de Controle de Medicamentos")  ) AND (("Desigualdades de Saúde") OR ("Disparidades de Saúde") OR ("Iniquidades em Saúde") OR ("Iniquidades das Políticas Econômicas e Sociais") OR ("Determinantes Sociais da Saúde") OR ("Equidade em Saúde") OR ("Mensuração das Desigualdades em Saúde")).Foram inicialmente recuperados 1.985 registros (sendo 1.212 da BVS e 773 da PubMed). Após a exclusão de duplicatas e da literatura cinzenta, restaram 1.727 documentos para triagem. A leitura dos títulos e resumos permitiu refinar a amostra para 24 estudos, e, após a leitura integral e aplicação dos critérios de inclusão, 10 artigos foram selecionados para compor o corpus final da análise. Do ponto de vista bibliométrico, os artigos analisados foram majoritariamente publicados entre os anos de 2017 e 2024, com crescimento observado no período pós-pandemia. A maioria dos estudos foi desenvolvida por instituições localizadas nas regiões Sudeste e Sul, o que demonstra uma necessidade de estudos em outras regiões. Os periódicos mais frequentes pertencem à área da Saúde Coletiva, indicando a transversalidade do tema entre os campos da saúde pública, gestão e política sanitária. Os resultados iniciais demonstram que o desabastecimento de medicamentos no SUS está vinculado a uma série de fatores interdependentes, incluindo falhas logísticas, restrições orçamentárias, entraves regulatórios, concentração da cadeia de suprimentos e ausência de uma política industrial nacional robusta no setor farmacêutico. Observou-se que esses desafios atingem com maior intensidade as regiões com menor infraestrutura, o que reforça as desigualdades regionais e compromete o acesso equitativo aos tratamentos. A judicialização do acesso a medicamentos, embora não seja foco central deste trabalho, aparece em diversos estudos como reflexo da omissão do Estado. Além disso, as falhas na comunicação entre os níveis de gestão e a ausência de um sistema de monitoramento eficaz contribuem para o agravamento do problema, dificultando ações preventivas e ações coordenadas por parte dos gestores públicos. A análise aponta ainda que, apesar da existência de diretrizes estabelecidas pela Política Nacional de Medicamentos – PNM e pela Política Nacional de Assistência Farmacêutica – PNAF, a implementação dessas políticas enfrenta entraves relacionados à desarticulação entre os entes federativos, à deficiência no planejamento logístico e à ausência de sistemas de informação integrados e atualizados. A falta de monitoramento em tempo real dos estoques de medicamentos dificulta a resposta imediata às demandas locais e agrava os problemas de abastecimento. Os achados também indicam a necessidade de se investir na capacitação técnica das equipes envolvidas na assistência farmacêutica e na adoção de tecnologias que promovam maior eficiência e transparência na gestão dos insumos. A partir dos dados sistematizados, o desabastecimento de medicamentos não pode ser tratado como um mero desafio técnico-operacional. Seus efeitos têm repercussões diretas sobre a equidade no acesso e sobre a efetividade da atenção oferecida no SUS.

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Publicado

22-09-2025

Como Citar

1.
Mendes SJ, Araújo ICM de. O desabastecimento de medicamentos e as iniquidades em saúde: uma revisão integrativa da literatura. J Manag Prim Health Care [Internet]. 22º de setembro de 2025 [citado 2º de outubro de 2025];17(Especial 1):e003. Disponível em: https://www.jmphc.com.br/jmphc/article/view/1459