Gênero, raça, classe e a morte por excesso de trabalho
uma análise crítica do fenômeno karoshi no Brasil
DOI:
https://doi.org/10.14295/jmphc.v16.1435Palavras-chave:
Morte por Excesso de Trabalho, Enquadramento Interseccional, Determinação Social da Saúde, Vigilância em Saúde do Trabalhador, CapitalismoResumo
O termo "karoshi" significa "morte por excesso de trabalho" e foi cunhado no início dos anos 70 por Tetsunojou Uehata, médico do Instituto Nacional de Saúde Pública do Japão. Este conceito descreve a morte súbita de trabalhadores jovens e de meia-idade, principalmente na faixa etária entre 30 e 60 anos, devido ao excesso de trabalho, resultando em colapso cardiovascular e/ou cerebrovascular. O Japão também introduziu o termo "Karojisatsu", que se refere ao suicídio causado pelo excesso de trabalho, frequentemente associado à Síndrome de Burnout. O Grupo de Pesquisa e Combate ao Karoshi, recentemente criado e sediado na Universidade Tecnológica Federal do Paraná, surgiu para investigar e combater este fenômeno no Brasil. A iniciativa partiu da reflexão e leitura dos seus membros sobre o tema, destacando algumas impressões e questionamentos iniciais: a produção científica no Brasil sobre karoshi é escassa; a literatura científica internacional aborda o tema de maneira reducionista, desconsiderando a determinação social do processo saúde e doença; o senso comum considera o karoshi um problema restrito ao Japão e outros países orientais. Observa-se uma intensificação da precarização das relações e condições de trabalho no Brasil e globalmente, com aumento excessivo das cargas de trabalho em diversas formas e especificidades. Esse aumento tem resultado em um alarmante crescimento de adoecimento, sofrimento mental e mortes relacionadas ao trabalho. No Brasil, há um silêncio epidemiológico em relação aos casos de karoshi. Registros de adoecimento cardiovascular, cerebrovascular e morte súbita relacionados ao trabalho são escassos, embora numerosos relatos apareçam em ambientes de trabalho, eventos, palestras, organizações de trabalhadores e salas de aula. Estudos que avaliam causas de morbimortalidade raramente consideram o trabalho como promotor de adoecimento, especialmente no caso de doenças crônicas como as cardiovasculares, transtornos mentais e câncer. Assim, um dos objetivos do grupo é submeter o conceito de karoshi a uma análise crítica, utilizando uma abordagem sócio-histórica e ferramentas da Teoria da Atividade e da Epidemiologia Crítica, visando seu desenvolvimento, atualização e ampliação. No último ano, o grupo, de caráter interdisciplinar, tem se reunido para discussão e crítica de publicações referentes ao tema, além da atuação junto a sindicatos, universidades e trabalhadore/as das áreas de educação, direito, geografia, tecnologia e saúde. Entendemos que, para compreender o karoshi no contexto brasileiro, é necessário considerar que fatores como gênero, identidade de gênero, orientação sexual e raça podem atuar como fatores protetores ou destrutivos para o surgimento e desfecho morte por excesso de trabalho. Cabe ressaltar que, no Brasil, o karoshi foi inicialmente reconhecido entre trabalhadores do cultivo de cana, chamado “birôla” ou karoshi brasileiro. O estudo que documentou a morte de 13 trabalhadores por birôla menciona a origem geográfica (nordeste e Minas Gerais), sexo (12 homens e 1 mulher) e cor (maioria negros), mas não relaciona esse achado ao racismo e não aprofunda a relação entre raça e gênero na exploração da classe trabalhadora no Brasil. A existência da birôla evidencia a necessidade de compreender o fenômeno considerando as especificidades socio-históricas do contexto brasileiro, que se desenvolveu economicamente com base na escravização de pessoas negras e povos indígenas e ainda hoje utiliza opressões de gênero, racismo e LGBTfobia para intensificar a exploração da força de trabalho no capitalismo. Mulheres são mais suscetíveis a distúrbios ansiosos-depressivos, que dobram o risco de doença isquêmica do coração. Alterações comportamentais, hormonais, genéticas e psicossociais contribuem para disfunção endotelial, aterotrombose e alterações imunológicas. A população negra é mais afetada por eventos cardiovasculares e transtornos mentais, não por fatores genéticos, mas principalmente devido ao racismo que resulta em piores condições de trabalho, moradia, alimentação, educação, renda e acesso à saúde. No contexto de trabalho, as mulheres negras ocupam os empregos mais precarizados e com menor remuneração, além da responsabilidade adicional do trabalho de cuidado, atribuído ao gênero feminino. As mortes por excesso de trabalho resultariam da banalização da vida, intensificação da exploração e flexibilização das relações de trabalho num contexto de crise do capital, estando o karoshi relacionado não apenas à quantidade de horas de trabalho excessivo, mas também à intensificação das jornadas. Refletimos sobre os efeitos dessa recente conformação do mundo do trabalho, caracterizada por jornadas irregulares e mediadas por algoritmos e inteligência artificial, que dificultam a identificação de sua relação com o adoecimento físico e mental. Qual a cor, gênero e idade desse/as trabalhadore/as, e como isso se relaciona ao potencial de exploração e ao padrão de adoecimento e morte no grupo? Inicialmente, causas externas de óbito, como acidentes de trânsito envolvendo trabalhadore/as de aplicativos, não se enquadrariam no conceito de karoshi. No entanto, dado o alto número de ocorrências, inclusive fatais, nesse grupo submetido a intensa pressão por metas, fadiga, insegurança financeira, sofrimento mental e assédio, não seria pertinente questionar o quanto o trabalho contribuiu para esses desfechos? Por outro lado, como as opressões de gênero e racismo influenciam as ocupações disponíveis a mulheres negras e pessoas trans, como no caso das trabalhadoras de telemarketing? Como essas opressões são usadas para superexplorar esses grupos, incluindo por meio da internalização de sentimentos de inferioridade? E como esses fatores contribuem para o sofrimento mental e adoecimento cardiovascular, incluindo o trabalho de cuidado doméstico, muitas vezes não reconhecido como trabalho? Um dos recursos reportados para a evidenciação do karoshi é o número de afastamentos médicos do serviço por cansaço, estresse, fadiga e mal-estar (por exemplo: CID-10 F43, R46.6, R53 e Z73.3), conjugados com a intensidade do trabalho. Entretanto, como estabelecer essa relação quando uma massa de trabalhadore/as sequer acessam o serviço de saúde por essas queixas e, se o fazem, não terão o registro documentado em atestados médicos e afastamentos por não estarem incluído/as dentre o/as trabalhadore/as formais? Assim, aventa-se que grupos que diferem na cor, gênero e identidade de gênero tenham especificidades na forma como o percurso karoshi se desenvolverá, o que justifica um olhar atento para esses marcadores sociais das diferenças ao pensar sobre o tema, sobretudo no Brasil.
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