Paradigmas do cuidado: o conceito e o trabalho de cuidado na Enfermagem a partir da Teoria da Reprodução Social
DOI:
https://doi.org/10.14295/jmphc.v16.1411Palavras-chave:
Cuidados de Saúde não Remunerados, Cuidados de Enfermagem, Feminismo, Enfermagem, História da EnfermagemResumo
A Enfermagem, enquanto campo de conhecimento e prática profissional, convencionou o cuidado como seu objeto de estudo e trabalho. Entretanto, a abordagem do conceito de cuidar e cuidado é dotada de profundas lacunas, uma vez que a conceituação limita-se aos verbetes denotativos e aos manuais técnicos da área. Nas elaborações teóricas do Feminismo Marxista, a partir do Materialismo Histórico-Dialético, o cuidado é analisado como uma forma de trabalho, e as ações que compõem o escopo do cuidar são englobadas pelo conceito Trabalho de Cuidado. A Teoria da Reprodução Social estabelece que o Trabalho de Cuidado e Doméstico invisibilizado é imprescindível para a perpetuação do capitalismo, pois é através deste que a mão de obra proletária nasce, desenvolve-se, mantém-se viva e apta a continuar trabalhando e reproduzindo-se, continuando as sucessivas gerações trabalhadores. O Trabalho de Cuidado é exercido majoritariamente por mulheres, no âmbito doméstico e familiar e não-remuneradamente, todavia este ao passar por processos de profissionalização, inseridos numa nova gama de oferta de serviços, tornou-se também remunerado. No campo dos cuidados prestados em saúde, voltados aos enfermos e ao restabelecimento da capacidade produtiva, isto coincidiu com o estabelecimento da Enfermagem enquanto profissão. No âmbito das Ciências da Saúde, tanto dentro das discussões acadêmicas e científicas, quanto na prática profissional, existe uma ínfima propensão a estender estes debates e reflexões ao escopo crítico, dotado de historicidade e compreensão política. Na Enfermagem, esta questão evidencia-se ao tratar o conceito de cuidado e o Trabalho de Cuidado, exercido profissional e remuneradamente pela Enfermagem, desconsiderando elementos como opressão de gênero, luta de classes, colonialismo, escravidão e a Divisão Social do Trabalho. Diante desta problemática, o cerne deste estudo é discutir sobre o Trabalho de Cuidado exercido pela Enfermagem a partir da Teoria da Reprodução Social e do Materialismo Histórico-Dialético, debatendo a trajetória histórica do Trabalho de Cuidado e apontando raízes da desvalorização deste quando exercido pela Enfermagem. Na presente pesquisa, foi adotada uma abordagem metodológica baseada no ensaio crítico. Inicialmente, realizou-se uma análise meticulosa do corpus de dados, identificando conceitos-chave, estruturas argumentativas e fundamentos teóricos relevantes em torno da conceituação e aprofundamento do cuidar e o trabalho de cuidado entendido pela Enfermagem. Posteriormente, procedeu-se com uma avaliação crítica desses elementos a partir da lente analítica do Materialismo Histórico-Dialético e da Teoria da Reprodução Social, produto das elaborações teóricas do Feminismo Marxista, questionando pressupostos, destacando inconsistências e explorando potenciais lacunas no raciocínio. Desta forma, obteve-se um trabalho científico utilizando uma metodologia que combina rigor analítico com uma avaliação crítica, promovendo um diálogo eficaz entre teoria e prática, fundamental para o avanço do conhecimento científico e implementação do elemento crítico-político do mesmo. A análise da literatura científica demonstra que a partir da Teoria da Reprodução Social, como o Trabalho de Cuidado exercido pela Enfermagem não restringe-se ao atendimento das demandas de saúde-doença de indivíduos ou comunidades, mas como sua forma de trabalho entrelaça-se com toda a reprodução social, desvelando raízes sócio-históricas para a desvalorização da categoria, que antes é antecedida pela desvalorização do próprio Trabalho de Cuidado em si. O ato de cuidar é associado à extensão natural dos atributos femininos, frequentemente dotado de significado de cunho sacerdotal e voluntário, conforme reforça a moral cristã-ocidental-capitalista acerca do trabalho em saúde, com a valorização de dons e talentos curativos intrínsecos aos indivíduos. Nas sociedades com passado colonial e escravista estes elementos acentuam ainda mais o paradigma do cuidado, ao associarem este à funções exercidas por pessoas negras e escravizadas, que no período colonial eram tão subalternas, desumanizadas e indignas do reconhecimento de cidadania, que tudo de sua alçada tornava-se também subalterno e desvalorizado. A partir destas características explica-se a origem da desvalorização: torna-se, portanto, compreensível que um trabalho desenvolvido majoritariamente ao longo da história de forma voluntária, não-remunerada, por religiosos, mulheres (principalmente beatas, solteiras, virgens, viúvas e religiosas, ou seja fora do escopo conjugal e do ambiente doméstico-familiar), pessoas escravizadas, sem a característica produtiva clássica do trabalho produtivo no conceito marxiano de gerar valor ou mercadoria, fosse sequer visto como trabalho, e enfrente dificuldades em se legitimar como tal, acarretando à Enfermagem tanto a falta de reconhecimento e valorização pelas suas funções, quanto incidindo em baixos salários e relações trabalhistas desiguais, quando em face de outras categorias da área da saúde. Este passado remanesce ainda na atualidade e fortalece compreensões relacionadas à desvalorização, e também elucida as razões da composição de gênero e raça da Enfermagem. A composição histórica dos eventos e momentos que formam a trajetória do Trabalho de Cuidado, somada à otica da Teoria da Reprodução Social demonstram o quão inócuo é conceituar o cuidado subtraindo elementos como a perpetuação de estereótipos de gênero, a socializaçao feminina, a economia política a Divisão Sexual e Racial do Trabalho. Sendo assim, portanto, a Teoria da Reprodução Social oferece ferramentas analíticas cruciais para a análise minuciosa do Trabalho de Cuidado na e para a Enfermagem, superando concepções assépticas e engessadas, historicizando e problematizando a questão. Para a Enfermagem estabelecer um novo entendimento do Trabalho de Cuidado e do cuidar nos espaços acadêmicos e profissionais, reposiciona a categoria diante de sua relação com o trabalho que exerce, distanciando-se da alienação, propiciando uma apropriação crítica da história da profissão, e também dos elementos em torno do cuidar, colocando-o como ação consubstanciada por diversas nuances, e parte fundamental da reprodução do capital humano. Oferecer elementos que aproximam a Enfermagem da compreensão crítica e histórica do Trabalho de Cuidado proporciona à categoria uma ferramenta teórico-discursiva para as lutas em torno de dignidade trabalhista, reconhecimento profissional e valorização. A História da Enfermagem demonstra como o processo de institucionalização do cuidado ocorreu reforçando hierarquias sociais, dando continuidade à desvalorização e invisibilização já próprias ao cuidado, e incidindo diretamente nas percepções contemporâneas acerca do valor do Trabalho de Cuidado e da mão de obra que o exerce. Disseminar e ressignificar o Trabalho de Cuidado para a Enfermagem através da Teoria da Reprodução Social é sobretudo um ato político de autoconhecimento, apropriação da própria história e recusa à neutralidade e domesticação.
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